quinta-feira, 30 de maio de 2013

Poema errante

Queria escrever um poema
que não dissesse nada.
Nada nele seria informação
aos olhos inquisidores da razão.
Meus versos seriam feitos de silêncio,
desses que só o coração é capaz de ouvir.
Sem léxicos complexos de erudição,
sem aforismos lucubratórios ,
sem o peso das pseudoverdades
que fazem do cérebro um deus.
Minhas palavras não seriam palavras
e meus significados, apenas cores,
como são os amores e as dores.

Nada a dizer,
mas a sentir sem assentir,
apenas por viver e querer
nada além do não querer.
Um olhar de amanhecer
às mais pequeninas estrelas
aconchegadas ao céu das emoções.

Queria que meus versos falassem
a língua dos amantes felizes
das crianças alegres
das mães que acalentam com o maior carinho do mundo.
Queria não ter que escrever
para tentar dizer o indizível.

Mas assim, mesmo assim,
queria que no fim, de tudo
ao pouco que me cabe, quem sabe,
deixar os versos que levem adiante
essa ternura ululante que não se detém
e dança comigo, errante e esperançosa,
em cada lacuna do meu pensar.

JPJ

domingo, 26 de maio de 2013

Descendo

Fui olhar as estrelas
e o destino me constipou.
Sem dó nem piedade
o que era raro, partiu.
O brilho, esvaiu.
Fiquei aqui sozinho,
sonhando que estava desperto
naquela noite límpida de sono,
naquele desejo de acordar
cada sonho que não sonhei.

Vejo apenas o que não é para ser visto
ou sentido. Que importa?
Sentir nas sombras ou não sentir,
dormir, apenas  − já é tarde.

Tempo é para a morte
a sorte que nunca tive,
se morresse agora e partisse
talvez o sonho me deixasse
ou talvez eu não existisse
ou nada disso que julguei real
não me deixasse partir sozinho.

A vida é uma grande ilusão.

Pudera nascer novamente
para olhar essa certeza desde o princípio.
Não pude, não quis e não soube,
quando o sonho nasceu,
arrancá-lo como erva daninha.
Deixei viver a realidade
e acreditei sentir quando estava a sonhar
e a pensar, em cada desejo,
como se fosse parte do meu viver.

Hoje, vivo apenas para morrer
um pouco a cada dia,
um sonho a cada dia,
e fazer crescer essa certeza mórbida
que no medo, no receio, e na dor,
deixa em mim apenas o nada
preso a esse coração gelado.

JPJ

terça-feira, 14 de maio de 2013

Apenas o nada















NADA SOU, nada posso, nada sigo.
Trago, por ilusão, meu ser comigo.
Não compreendo compreender, nem sei
Se hei-de ser, sendo nada, o que serei.

Fora disto, que é nada, sob o azul
Do largo céu um vento vão do sul
Acorda-me e estremece no verdor.
Ter razão, ter vitória, ter amor.

Murcharam na haste morta da ilusão.
Sonhar é nada, e não saber é vão.
Dorme na sombra, incerto coração.

Fernando Pessoa
1/1923